Muitas pessoas acreditam que o yoga e toda o corpo de conhecimento do Veda seja uma religião. Muitas vezes as pessoas estabelecem esta relação por causa de imagens do panteão hindu, que na verdade, são apenas símbolos. Outras vezes, por causa dos mantras, que podem ser preces, mas que na verdade, guardam a própria essência do que esta tradição tem a transmitir. Outras tantas vezes, por causa dos rituais, que também são extremamente simbólicos.

É importante salientar que o hinduísmo não é uma religião e, sim, uma cultura estabelecida, primeiramente, na região entre o Paquistão e a Índia. Essa região era conhecida como vale do rio Sindhu. Porém, os persas, que tinham grandes laços comercias com essa sociedade, não possuíam o fonema “Si” na sua língua. Portanto, eles chamavam Sindhu, de Hindu. O termo, hinduísmo, foi cunhado de fora para dentro. Sendo o hindu, aquele que morava às margens do rio Sindhu. O termo hindu será explicado com mais detalhes, à frente.

Disciplina é um dos significados da palavra Yoga. E podemos ser disciplinados em qualquer assunto que nos interessar. Isso não é religião, não é cercado por crenças ou dogmas. É fazer o que deve ser feito, com dedicação. Isso é uma vida de Yoga.

Swāmi Tattvavidānanda diz que um verdadeiro devoto não precisa entrar em templos. Pois, para essa pessoa, o templo é ela mesma. Não há distância, diferença, ou, separação entre o divino e ela. O Nirvana Śaṭkam, composição atribuída a Śaṅkara, também diz a mesma coisa: “na tirtha”; ou seja, Eu não sou um lugar sagrado. Um lugar é limitado por outro lugar. Todos os lugares são sagrados. Tudo é sagrado, pois tudo é um; sou Eu, aquilo que é presente em tudo.

Caturvidhā bhajante māṃ janāḥ sukṛtino’rjuna

Ārtho jijñāsurarthārthī jñānī ca bharatarṣabha (BG 7;16)

Oh Arjuna! Os devotos, são de quatro tipos. Aquele que estão desesperados. Aqueles que buscam segurança e prazer. Aquele que deseja me conhecer e, aquele que Me conhece. 

O verdadeiro devoto é aquele que possui o entendimento de Īśvara. Muitos daqueles que estão nos templos não são devotos. São pessoas temerosas, que sem a compreensão de Īśvara, pedem que seus pedidos sejam realizados através de uma crença em nomes e formas, ou uma personalidade que parece ser diferente ou estar distante dele mesmo, que na verdade, não possui uma realidade absoluta. São pessoas que estão bem distantes do que chamamos de karma-yoga. São pessoas que pensam, apenas, nas recompensas que suas ações podem gerar. Elas não estão focadas na própria ação e, naquilo que podem fazer de melhor por si mesmas e pelo mundo.

Olha aí, mais uma vez a questão de que não existe barganha com Īśvara!

Īśvara não é uma personalidade para qual pedidos são feitos. Īśvara é esta ordem natural do universo. Porém, isso leva tempo para ser assimilado e compreendido. 

Quando algo precisa ser feito. Quando preciso cumprir com as minhas responsabilidades e, não sou guiado pelos meus gostos e aversões, percebo uma tranquilidade na mente. Abrir mão dos resultados das ações, significa que a minha mente não reage mais a eles. Qualquer que seja o resultado, eu o aceito como um presente. Como uma oportunidade de amadurecer.

Por isso, é necessário passar pelo processo; pelas experiências dos templos, rituais e demais ações que servem como ferramentas para o amadurecimento pessoal. A dedicação, a ação e o conhecimento, caminhando juntos. Um só yoga.

O devoto vai conquistando sabedoria e maturidade com o tempo e, assim, vai abrindo mão de determinadas práticas e parte na direção do conhecimento. Deve haver muito questionamento (vicāra) envolvido. Um questionamento sobre aquilo que é ouvido e o seu significado. Isso quer dizer que envolverá métodos acadêmicos, como a gramática, a lógica; além de valores, que trazem estabilidade e clareza para a mente. Se o entendimento é raso, não existe devoção.

A devoção precisa amadurecer ao ponto em que a pessoa tem o entendimento de que nunca esteve separada de Īśvara. Por isso, o coração da Upaniṣads é a compreensão da mahāvākya “tat tvam asi”.

É a capacidade de enxergar todas as conquistas, de todas as pessoas, como as glórias de Īśvara. Pois, Īśvara é o próprio dharma; a própria lei universal que tudo rege. Quando há esse entendimento, a pessoa torna-se mais objetiva e desapegada. Ela entende que os resultados das suas ações não determinam quem ela é. Há o entendimento de que Eu não sou o ator e, portanto, não sou o resultado das ações. Há o entendimento do que é o ego e, principalmente, de que o ego não é um elementos separado do Todo. Esse é o entendimento de Tat tvam asi, segundo as Upaniṣads. Esse é o entendimento de samatvam, quando Kṛṣṇa define yoga na Bhagavad Gītā; de que tudo é um. A entrega, aqui, é nada mais do que o entendimento. Por isso, o maior dos devotos é o sábio.

O devoto se transforma em um sábio; um jñānī. A ideia é que para haver devoção sincera, deve haver entendimento. Portanto, essa devoção é oriunda de uma confiança e, não, de mera fé. A devoção serve para o conhecimento e, o conhecimento, em si mesmo, é devoção.

Por isso a devoção, nesse contexto, é relativa ao entendimento de que Eu sou livre de limitações (nirguṇa brahman) e, não em relação à alguma personalidade divina ou, até mesmo viva (saguṇa brahman). Nesse sentido, o devoto deve ser devoto, para deixar de ser devoto. Pois, quando é que a devoção se completa? Quando o devoto não se vê mais separado de Īśvara.

Nesse sentido, o sábio não se intromete no processo das outras pessoas, pois entende que elas necessitam dessas experiências. Precisam dessas ações, desses karmas no processo de amadurecimento. E, através dos seus exemplos, ensina às pessoas a não caírem em determinadas armadilhas.

Prakṛterguṇasammūḍhāḥ sajjante guṇakarmasu

Tānakṛtsnavido mandān kṛtsnavinna vicālayet (BG 3;29)

“Estes que estão iludidos pelas modificações de prakṛti, permanecem identificados com as qualidades do corpo, mente, sentidos e, suas ações. Aquele que conhece o Ser, não deve perturbar esses, que não têm discriminação; que não o conhecem” (BG 3;29)

Nesse sentido, o sábio não precisa se intrometer no processo de cada um. Por mais que ele compreenda que não são as ações que produzem mokṣa, pois mokṣa é a natureza de todo o indivíduo; ele compreende que o estilo de vida de karma-yoga, produzirá essa mente capaz desse entendimento.

Portanto, o sábio não fica falando “por que você age? Por que você reza? Por que você vai ao templo? Por que você faz japa e meditação?”

Não há razão para isso.

Naciketas é um bom exemplo desse sábio; que não interfere naquilo que as pessoas estão fazendo naquele determinado momento.

Ele pede ao senhor da morte que o ensine sobre o ritual através do qual as pessoas podem conquistar aquilo que elas desejam. Portanto, ele entende que aqueles que ainda estão nesse processo de neutralizar seus gostos e aversões, não devem deixar de fazer isso.

Tais pessoas são chamadas, por Kṛṣṇa, de ārtaḥ ou arthārthī. São pessoas que só pensam nessa inteligência que tudo governa, na hora do desespero; quando não têm a quem mais recorrerem. Ou, pessoas que pensam em Īśvara, apenas, quando desejam conquistar uma determinada coisa que lhes parece faltar, para estarem, definitivamente, satisfeitas.

Uma pessoa não deve ser aconselhada a não trabalhar; ou até mesmo a pensar que dinheiro é inútil. Deixe que a pessoa trabalhe. Do contrário, ela ficará preguiçosa. Portanto, não diga à elas para não ganharem dinheiro. Diga à elas para trabalharem; fazendo aquilo que deve ser feito. Cumprindo com as suas responsabilidades; o seu dharma. Não há nada errado em ganhar dinheiro. Muitas vezes, algumas vertentes espirituais, demonizam o dinheiro.

Porém, se a pessoa compreende que o dinheiro não é um fim em si mesmo. Se essa pessoa tem um certo discernimento; pode ser apresentada ao karma-yoga, ou, até mesmo à possibilidade de renúncia.

O devoto não deveria se apegar deuses ou de professores. Esta é uma forma equivocada de devoção. Torna-se muitas vezes um culto à personalidade. O que, em muitos casos, no meio do yoga e da espiritualidade, já frustrou muitas pessoas. Pois, professores e mestres não são perfeitos.

O sábio compreende que deve ser devoto do conhecimento, pois, isto, realmente, faz diferença nas nossas vidas. Este conhecimento sobre o qual estamos falando, aqui, de fato, não pertence a alguém especificamente. É o conhecimento sempre existente. Inerente à toda a criação.

O Vivekacudāmani de Śaṅkaracarya, também aborda esse tema:

na gacchati vinā pānaṃ vyādhirauṣadhaśabdataḥ |

vināparokṣānubhavaṃ brahmaśabdairna mucyate || 62 ||

Uma doença não nos deixa, simplesmente, porque chamamos pelo nome do remédio. Da mesma maneira, sem o conhecimento direto daquilo que é livre de limitações, ninguém se liberta, simplesmente, repetindo o nome de brahman.

O devoto é aquele que compreende esta ordem do universo e não está preocupado em pedir e, sim, amadurecer através de todas as situações que esta vida o presenteia.

A definição de bhakti é parama-prema-svarūpa. Prema significa amor; o amor supremo. Prema significa amor; o amor supremo; na forma do servir bhaj. No sentido de que as minhas ações são feitas livres das minhas preferências rāgas e dveṣas. São feitas porque devem ser feitas; de acordo com as minhas responsabilidades, com o meu dharma.

Entre o objeto amado e o amante, não deve haver diferença. Isso é o entendimento de tat tvam asi. Portanto, a devoção, nada mais é do que entendimento.

O capítulo 12 da Gītā causa muita confusão, para muitas pessoas, por causa do seu nome “Bhakti yoga”. Mas, não é mais um tipo de yoga. Na Gītā, a palavra yoga, em cada capítulo, significa “tópico”. Portanto, o tópico é bhakti; não é bhakti yoga. Kṛṣṇa já havia deixado bem claro, desde o começo de seu diálogo, que existem, apenas, dois estilos de vida de yoga: karma e sannyāsa. Ambos com o objetivo do entendimento de Īśvara. Esse entendimento que é mokṣa.

Por isso, bhakti não é diferente de jñāna. Esse papo de diferentes yogas é uma segregação sem sentido algum. Na Gītā, Kṛṣṇa aborda todos esses temas como uma coisa só. Bhakti é essa entrega; esse entendimento sobre Īśvara e, isso é jñāna. Isso é karma-yoga; quando a ação não é impelida, apenas, pelo meu desejo de ser recompensado; mas pela entrega desses resultados ao todo, ao comum, como alguém que contribui. Tudo isso se resume nesse verso da Bhagavad Gītā.

Sarvakarmāṇyapi sadā kurvāṇo madvyapāśrayaḥ

Matprasādādavāpnoti śaśvataṃ padamavyayam (BG 18;56)

Fazendo aquilo que deve ser feito.Tendo a mim como refúgio; dessa forma o eterno, o indestrutível é alcançado.

Como tornar-se um sábio?

O devoto se tornará, ao mesmo tempo, o sábio. O devoto, aqui, é aquele que entende a natureza de Īśvara como não diferente ou separada do ātmā. Por isso, ele nem mesmo diz que invoca Īśvara pelo desejo do entendimento; pois o entendimento já existe para ele. Esse entendimento de que o indivíduo não está separado do todo. 

Yo’ntaḥsukho’ntarārāmastathāntarjyotireva yaḥ

Sa yogī brahmanirvāṇaṃ brahmabhūto’dhigacchati (BG 5;24)

Aquele que é pleno em si mesmo; que se diverte consigo mesmo. Aquele cujo a mente está acordada para si mesmo. Esse sábio, que entende que é brahman; conquista a liberdade, que é brahman.

É o entendimento de que não existe nada fora dessa ordem. Tudo está em seu devido lugar. Até mesmo as suas futuras preces já foram atendidas. Portanto, o devoto não precisa fazer barganhas ou promessas. O devoto deve ser sábio. O devoto é um karma-yogī, ou seja, está focado na ação e, não no fruto oriundo dela.

Portanto, o sábio se dedica a fazer aquilo que deve ser feito. O sábio é um karma-yogī. O sábio é aquele que dedica as suas ações a todos. Ele é muito mais alguém que contribui do que consome de tudo aquilo que está à sua volta. Tal pessoa serve como exemplo para as demais; no sentido do cumprimento do dharma. Mesmo que, para o sábio, não haja nada a ser conquistado, ele age, pois tem um papel a cumprir na sociedade. 

Labhante brahmanirvāṇamṛṣayaḥ kṣīṇakalmaṣāḥ

Chinnadvaidhā yatātmānaḥ sarvabhūtahite ratāḥ (BG 5;25)

Sábios, cujo as impurezas (apegos e aversões) foram dissolvidas; cujo as dúvidas foram sanadas; que possuem comando sobre os órgãos de ação e sentidos; que estão engajados no bem de todos, ganham a liberdade.

Por isso, no verso abaixo, Kṛṣṇa está encorajando Arjuna a agir; pois ele é um exemplo para muitas pessoas que estão, ali, no campo de batalha, junto com ele. Então, observamos, aqui, no mesmo contexto: o sábio, o devoto e o ator. Jñāna, Bhakti e karma não são yogas separados.

Saktāḥ karmaṇyavidvāṃso yathā kurvanti bhārata

Kuryādvidvāṃstathāsaktaścikīrṣurlokasaṅgraham (BG 3;25)

Oh Bhārata! Assim como o ignorante, que está preso aos resultados das ações, age; da mesma forma, o sábio, também, age, sem apegos. Dedicado em fazer aquilo que protege as pessoas.