A impressão de que somos todos diferentes uns dos outros, mais ainda, a impressão de que somos separados do Todo; ou Deus, se assim quiser chamar e, observarmos a própria mecânica do medo através da religião.

A dualidade estabelecida na diferença entre o indivíduo e o Todo, significa, também, a diferença entre um indivíduo e outro. Uma vez que aceito essa dualidade; essa diferença, sempre me verei separado de tudo.

Pensar que sou diferente do Todo, ou, de Deus; me faz enxergar tudo aquilo que me cerca, diferente de mim. Eu me isolo. Eu vejo o mundo como uma ameaça; pelo simples fato de ser diferente de mim.

Isso é o que acontece quando ArjunaKṛṣṇa em sua forma cósmica (Viśvarūpa). Além de ser uma forma, totalmente, diferente de tudo o que já foi visto; Arjuna vê essa forma como algo separado dele mesmo. Sempre que vemos algo novo e diferente, isso tende a nos causar medo. Enquanto Arjuna não enxerga a forma cósmica, sem que ele esteja separado; ele tem medo. Por isso, logo em seguida, ele pede a Kṛṣṇa que interrompa essa visão. Arjuna tem um certo discernimento, mas ainda não é capaz de compreender tat tvam asi.

Nesse mundo de dualidade, me reconheço como essa pessoa insegura, pois há sempre essa ameaça, oriunda daquilo que é diferente de mim. O medo só existe por causa da dualidade. Porque eu reconheço naquilo que é diferente de mim, a fonte de todo o medo.

Existe, até mesmo, o medo referente aquilo que eu sou. Pois, na minha mente, existe aquele eu que idealizo e, o eu que existe, como o indivíduo que sou; cheio de limitações.

O medo desaparece, apenas, quando eu realizo que não existem diferenças entre o indivíduo que eu sou e, o Todo. Não existe diferença entre mim e Deus; pois, não há separação.

Esse é o ensinamento fundamental das upaniṣads: tat tvam asi; ou seja, tudo aquilo que existe és tu.

Para que o medo exista, é necessário um segundo elemento. Algo que crie essa impressão de limitação.

Portanto, quem é livre da dualidade, é livre do medo. Com diz a Taittirīyopaniṣad (2;4): ānandam brahmaṇo vidvān na bibheti kadācaneti. Aquele que conhece a natureza de brahman; que é ānanda, é livre do medo.

Quem possui esse entendimento é, naturalmente, livre do medo de qualquer outra coisa, pois sabe que, no fim das contas, não há outra coisa. Não é possível ser livre de limitação e, ao mesmo tempo, dar de cara com outra coisa. 

A essência de todos os nomes e formas sou Eu. O tempo e o espaço; todos os nomes e formas, sou Eu. Ao mesmo tempo, Eu sou independente de todos eles. Com esse entendimento, o medo não existe mais.

Por isso eu desejo tanto artha, kāma e dharma. Isso revela o quanto me vejo como uma pessoa insegura e infeliz. Mas, o que eu realmente desejo? Os objetos que me trazem a sensação de segurança e prazer, ou, segurança e prazer de fato?

Precisamos olhar para os objetos, objetivamente. Precisamos compreender a função do objeto. E nenhum objeto tem a função de me tornar feliz. Porque ser feliz aqui, neste contexto, não é uma transformação; não é um sentimento. É reconhecer a minha existência, como felicidade.

Então, eu olho para uma casa, não como fonte de felicidade ou segurança. Eu entendo a função da casa que é me abrigar. E, assim, com todos os outros objetos com os quais me relaciono.

Se eu estou inseguro, naturalmente busco segurança. Se estou infeliz, busco a felicidade. Mas, na verdade, não é a segurança que estou buscando. Estou buscando a liberdade da sensação de insegurança. Nesta busca, me transformo nesta pessoa exigente. Em relação à plenitude e felicidade, também me torno um pessoa exigente.

No final das contas, o que eu desejo é não ser mais uma pessoa exigente. E, para que isto aconteça, eu tenho que reconhecer a mim mesmo com esta pessoa segura, completa em si mesma.

Portanto, se todos desejam deixar de ser estas pessoas exigentes, todas desejam mokṣa.

Então, esta pessoa que reconhece a si mesma como livre, pode buscar artha, kāma e dharma, se assim ela decidir. 

Esta pessoa é sábia. Ela reconhece a si mesma como feliz e segura sem a necessidade de qualquer “bengala”. Esta, é aquela pessoa que olha para si mesma e diz: “não há como ser melhor do que já sou.”

Aqui existe total entendimento. O entendimento de que o Ser é completamente livre de qualquer sensação de limitação e exigências. É o todo, apesar das limitações do corpo e da mente.

Você é o todo. Eu sou o todo. Não há diferenças entre nós. Se eu sou capaz de compreender isto, então, não preciso provar mais nada para as pessoas. Eu não preciso do reconhecimento delas.

Ponha, então, mokṣa puruṣārtha, diante dos outros puruṣārthas. Esta é a grande proposta que vedānta nos apresenta.

Esses outros puruṣārthas são para pessoas que ainda não estão maduras; pois não há liberdade em nenhum deles. Continuamos presos à necessidade de alguns prazeres e confortos e a ideia de um suposto paraíso, em algum momento. Onde está o yoga nisso tudo?

O grande objetivo deve ser satya-anveṣaṇa; a busca pela verdade; que é liberdade. Sem esse entendimento, a vida é, apenas, sofrimento.

Por isso vivemos com medo. Olhe para um homem que vive, apenas, buscando riqueza e conforto. É uma pessoa com medo de perder tudo. Onde está a liberdade na riqueza?

Da mesma maneira, pode ser uma pessoa, extremamente, religiosa. Uma pessoa comprometida com rituais, como pensavam os karmaṭhas. Se eles pudessem lhe dizer a verdade, mesmo executando todos esses rituais, que parecem lhes garantir algo, estão muito inseguros; pois não sabem se, mesmo fazendo todo esse esforço, o paraíso lhes estará garantido. São pessoas que vivem sob as crenças e dogmas da cultura que seguem; inclusive o Veda.

Portanto, não há liberdade nos três primeiros puruṣārthas. Só há liberdade na verdade. Por isso, é preciso entender que a verdade, a realidade, sou Eu.

Para um yogī verdadeiro, não há nada como peregrinação e rituais. A verdadeira peregrinação é em si mesmo. Isso se chama samādhi, ou, mokṣa.

Pois, reconhecendo a si mesmo como alguém livre de qualquer inadequação ou insegurança, a busca pelos outros puruśārthas, não precisa ser abandonada, mas, ressignificada. 

Eu sou livre para conquistar tudo o que desejo. O desejo não é um problema nas nossas vidas. 

Tendo o entendimento de que não são estas conquistas que me libertarão desta impressão acerca de mim mesmo, posso conquistar todos os objetos.

Porque entendemos que estes puruśārthas não têm relação com mokṣa e nem podem “dar” mokṣa; já que mokṣa é a natureza de todo indivíduo. Esta é a verdadeira liberdade.