Quando digo “neti, neti”, tenho a intenção de dissolver as identificações com os nomes e formas com os quais me relaciono. Mas, isto não significa abrir mão deles, ou, deixar de ter experiências com eles.

Uma vez a professora Gloria Arieira deu um belo exemplo para ilustrar isto:

“Assim como o sol se põe, todos os dias, me dando a impressão que ele desaparece. Constantemente tenho a impressão que a pessoa plena e feliz que sou, desaparece frente a algum obstáculo.

Quando entendo que o sol desaparece, apenas relativamente à posição na qual estou, compreendo que ele é sempre o mesmo, em seu lugar. Desta forma, entendo que a pessoa plena que sou, também, nunca desaparece, apenas fica encoberta por esta ignorância fundamental em relação a quem sou. Conhecimento é o instrumento para a liberdade desta ignorância. Porém, mesmo adquirindo este conhecimento, continuaremos a viver a experiência do pôr-do-sol; entendendo que aquilo é apenas uma experiência, e não algo definitivo. Continuaremos vivendo as nossas experiências individuais, todos os dias. Mas, entendendo que não somos nem condicionados, nem limitados por elas. Eu sou, em absoluto, livre. Isto é autoconhecimento.”

Podemos usar outras imagens para este mesmo caso; como no exemplo das penas de um pássaro refletindo inúmeras cores. Estas inúmeras cores não estão nas penas. Elas existem por causa do ângulo da luz que é refletido pelas penas. Portanto, você pode negar que as cores não existem por si mesmas. Não são as cores reais das penas; mas, não negamos a experiência de vê-las.

Eu sou esse aham. Mas, assim que eu ouço essa palavra, um conceito é criado na minha mente. Esse Eu não é a palavra e, tampouco o conceito que se desenvolve na mente. Aham é essa existência, que é consciente de tudo. No fim das contas, é essa existência que permitirá que esses conceitos possam ser criados na mente. Pois, a mente e seus conteúdos não existem por si sós. Eu sou a base, sempre existente, que permite que os conceitos sejam criados e desenvolvidos. Assim como a própria mente, que é criada e, em algum momento se dissolve, como no sono profundo. Mas, enquanto a mente se dissolve, eu permaneço, testemunhando a ausência da mente.

Por isso, muitas pessoas ficam presos nessas ideias conceituais sobre quem Eu sou. Vedānta se torna mais um jogo intelectual; no sentido de conhecimento empírico. Vedānta não é feito para a acumulação de mais conceitos. É para negar tudo aquilo que foi construído como a minha suposta identidade/natureza.

Quando negamos esses conceitos, enxergamos além de nomes e formas. Isso deve ser feito. Quando tudo é negado, o que permanece sou Eu.

Este tipo de negação, recebe o nome de bādhā, em sânscrito. O ator, ou a experiência está lá, porém, eles são negados como esta realidade absoluta. Podemos ver a pessoa agindo, falando, mas, existe o entendimento de que o ātmā é akartā, ou seja, ele não age.

Quando o ator é negado; todo o sofrimento é negado, pois todo esse sofrimento é relativo ao ator. Portanto, a liberdade do sofrimento; que é a liberdade que tanto desejamos (mokṣa) é o entendimento sobre quem Eu sou. Esse entendimento é yoga.