Esta é a parte mais difícil de se compreender e onde mais há confusão, entre nós, estudantes de Yoga.

Grosso modo, poderíamos dizer que este kāraṇaśarīra, ou corpo causal, é uma “bagagem de karma” de cada indivíduo. Carregada com nossas vāsanās e saṁskāras.

Estas vāsanās e saṁskāras são os nossos desejos. Estes desejos são a causa do nosso retorno à forma de indivíduos. A questão, aqui, não são os desejos em si; pois não há uma vida sem desejos. Mas, a identificação como aquele que deseja. A ideia de que sou o ator.

A causa de toda a criação é o Ser e, admitir algo diferente dele, é assumir a dualidade. É assumir que a plenitude não é possível e, tampouco moksa; o entendimento da equação “tat tvam asi”, que aponta para o fato de que Eu sou tudo aquilo que existe.

Avyaktād vyaktayaḥ sarvāḥ prabhavantyaharāgame

Rātryāgame pralīyante tatraivāvyaktasañjñake (BG 8;18)

No início do dia, tudo aquilo que se manifesta, surge do não manifesto. No início da noite, dissolvem-se no não manifesto.

De maneira oposta, recebe o nome de śṛṣti; a criação. E, a natureza de constante transformação, durante a manifestação, recebe o nome de sthiti; manutenção. Sthiti não é uma condição definitiva; está sujeita ao tempo. Tudo está em um fluxo constante de transformação, porém ainda é reconhecido como pūrnam; o pleno.

Aquilo que continua sempre o mesmo é o ātmā, que é sat, aquilo que não pode ser negado e, que é cit, sempre existente.

Parastasmāttu bhāvo’nyo vyakto’vyaktātsanātanaḥ

Yaḥ sa sarveṣu bhūteṣu naśyatsu na vinaśyati (BG 8;20)

Porém, distinto do não manifesto é o outro não manifesto; que é eterno, sempre existente. Aquilo que não se dissolve, quando tudo é dissolvido.

Avyakto’kṣara ityuktastamāhuḥ paramāṃ gatim

Yaṃ prāpya na nivartante taddhāma paramaṃ mama (BG 8;21)

O não manifesto, citado como aquele que não está sujeito à dissolução; é aquilo que existe de mais alto. Essa minha morada, quando conquistada; da qual as pessoas não retornam; é aquilo de mais alto.

Mokṣa não é a dissolução dos nomes e formas e, tampouco do universo. Isso é pralaya. Pralaya é um estado, como o sono profundo, no qual o manifesto e não manifesto deixam de manifestar-se.

É preciso compreender que o jīva não é separado do ātmā. Por isso, ele nunca foi criado e, tampouco, sustentado ou destruído. Ele não está sujeito ao tempo e, nem às experiências ao longo do tempo. Porém, o corpo físico, sutil e causal; nascidos dos elementos sutis e densos (como explicado no Tattvabodhaḥ), nascem, sustentam-se e perecem. Para o jīva, que tem esse entendimento de não separação em relação ao ātmā; criação, manutenção e dissolução, existem, apenas, para os três corpos.

Yathākāśasthito nityaṃ vāyuḥ sarvatrago mahān

Tathā sarvāṇi bhūtāni matsthānītyupadhāraya (BG 9;6)

Assim como o vasto ar, que esta em tudo; sempre existe no espaço; assim também, que você compreenda que tudo existe em Mim.

Para o sábio, não há um corpo sutil que partirá, quando o corpo físico perecer. Todos os prāṇas, dissolvem-se em brahman. É como pensar que o ar existente dentro de um corpo, seja diferente ou separado do ar que está fora. Não existe o ar do copo e o de fora do copo. Só existe ar (prāṇa). E, todo esse ar, existe no espaço. Essa ilustração serve para nos mostrar que, da mesma maneira, todos os seres existem no Ser. É o mesmo. Essa noção de individualidade (diferença), é devida à ignorância, que faz com que eu esteja identificado com essa forma e nome.

Na ca māṃ tāni karmāṇi nibadhnanti dhanañjaya

Udāsīnavadāsīnamasaktaṃ teṣu karmasu (BG 9; 9)

Oh Arjuna! Essas ações não me prendem. Eu sou a razão pelas quais elas existem; mas, sou indiferente. Totalmente, desconectado delas.

Assim como é para o corpo causal. Não há uma personalidade a quem o karma possa fixar-se. Não havendo resultado das ações; não há nenhum tipo de jornada para o corpo causal. Para tal pessoa não existe ir ou tornar-se, pois ela compreende que a sua natureza é brahman.

Yo māmajamanādiṃ ca vetti lokamaheśvaram

Asanmūḍhaḥ sa martyeṣu sarvapāpaiḥ pramucyate (BG 10; 3)

Quem que Me conhece como aquele que nunca nasceu (resultado) e, aquele que não tem um início (causa). A inteligência que governa o mundo e as pessoas. Este, entre os mortais; livre de toda a ilusão; está livre de todo puṇyam e pāpam.

Esse corpo causal é, portanto, fruto da ignorância, relativa à essa identificação com o ator. Pois, a ação só existe para quem acredita ser o ator e, o fruto das ações (karmaphāla, na forma de puṇyam e pāpam, também).

Mokṣa é o entendimento daquilo que não se dissolve, mesmo quando todo o manifesto e o não manifesto se dissolvem. Esse entendimento faz dissolver toda a identificação com os corpos denso, sutil e causal; permanecendo, apenas a existência, a consciência, que é brahman.

Portanto, o entendimento é aquilo que pode nos libertar dessa sensação de limitação. Quando entendo a natureza de brahman; que é minha natureza, reconheço-me livre.

Mayā tatamidaṃ sarvaṃ jagadavyaktamūrtinā

Matsthāni sarvabhūthāni na cāhaṃ teṣvavasthitaḥ (BG 9;4)

O universo inteiro é permeado por Mim; cujo a forma não pode ser descrita. Todos os seres existem por causa de Mim. Mas, Eu não existo por causa deles.

Na ca matsthāni bhūtāni paśya me yogamaiśvaram

Bhūtabhṛnna ca bhūtastho mamātmā bhūtabhāvanaḥ (BG 9;5)

E, os seres não existem em Mim. Veja essa conexão entre Mim e o universo. Eu sou o criador de todos os seres, o sustentador de todos eles e, ainda, não estou neles.

Por isso, não podemos dizer que o Ser é a base de todos os seres. Se o ātmā é um e, tudo depende do ātmā; então existe dualidade. 

Na ignorância, existe dualidade. Como enxergar uma cobra sobre uma corda. Existem dois objetos, mas, na mente confusa da pessoa, existe um. É uma sobreposição; upādhi. Base e projeção. Quando há o conhecimento da corda; o objeto projeção de cobra se dissolve, mas, aquilo que era, antes, base, permanece, pois é satyam, aquilo que sempre existe. Isso nega toda a dualidade.