Como nascem esses gostos e aversões?

Quando olho para um determinado objeto, posso perceber quantas projeções faço sobre ele. Todas as projeções são subjetivas; não existem em si mesmas. Eu olho para o objeto e atribuo a ele, várias qualidades que, em realidade, ele não possui.

Portanto, eu não vejo o objeto em si; eu vejo o que projeto sobre ele. E, aquilo que projeto sobre ele, pode ser aquilo que eu acredito que me falta para ser, definitivamente, a pessoa satisfeita que desejo ser, ou, projeto a necessidade de me livrar daquilo.

Quando falo sobre objeto, aqui; não estou falando, apenas, de coisas ao meu redor. Falo desde o corpo, os pensamentos, as emoções e, os resultados de tudo aquilo que faço; pois, acredito que a satisfação definitiva está em algum resultado específico.

Para, Kṛṣṇa, na Bhagavad Gītā, vairāgya, também significa objetividade. A capacidade de olhar para as coisas como elas são. O desapego, nesse sentido, significa deixar de lado a subjetividade e, desenvolver uma mente madura, que seja capaz de olhar, objetivamente, para o mundo e, para Mim mesmo. Essa capacidade de reconhecer esse Eu, completo e satisfeito em si mesmo.

Todos nós possuímos papéis e responsabilidades que precisam ser desempenhadas a todo o tempo. Nem sempre, eles serão agradáveis, mas servem como ferramentas, importantíssimas, nesse processo de amadurecimento pessoal.

Por isso, Kṛṣṇa fala para Arjuna sobre esses dois estilos de vida de yoga: karma e sannyāsa. Ambos conduzem a mokṣa. Porém, em muitos casos, a renúncia se torna uma fuga; para não ter de lidar com situações desagradáveis na vida.

Porém, ninguém amadurece, fugindo de determinadas situações. Apenas, quando a encaramos, tornamo-nos mais fortes. A fuga, pelo contrário, nos torna mais fracos. A cada fuga, perdemos a oportunidade de ganharmos a força que teríamos ganho, ao enfrentar o problema. Aqui, no caso, a capacidade de não sermos mais, tão reativos, aos gostos e aversões.

O grande dilema de Arjuna está aí. Ele acredita que a renúncia é algo mais simples do que ter que lidar com as suas responsabilidades do dia a dia. Ele acredita que abrir mão das coisas é sinônimo de liberdade instantânea.

Porém, quando não há espaço para amadurecer essa relação com as preferências da mente; a simples renúncia é uma fuga e, não trará essa oportunidade para amadurecer. Muito menos, liberdade.

Liberdade não é abrir mão das nossas responsabilidades e papéis. Liberdade é a compreensão de que Eu não sou o ator e, tampouco, os resultados dessas ações; como veremos ao longo desse livro.

Portanto, Eu sou livre, mesmo cumprindo com as mais diversas responsabilidades do dia a dia. Isso é conhecimento. Isso é liberdade. Esse é o objetivo do Yoga.

Quando perdemos esse equilíbrio; perdemos a capacidade de olhar, objetivamente, para o mundo. Perdemos a capacidade de nos relacionarmos com os objetos como eles são. Olhamos para os objetos, apenas, através das nossas interpretações acerca deles.

Nesse processo, a mente perde a capacidade de ver aquilo que é mais importante: que é o conhecimento da sua própria base, que é a consciência e, fica ocupada com o esforço que é necessário fazer para suavizar a sua própria agitação.

O sofrimento ou a euforia é fruto de nossa identificação com os vṛttis (julgamentos, pensamentos, projeções…). Quando nos identificamos com um desses objetos, automaticamente nos vemos limitados às formas e características que vem junto deles.

Jñeyaḥ sa nityasannyāsī yo na dveṣti na kāṅkṣati

Nirdvandvo hi mahābāho sukhaṃ bandhātpramucyate (BG 5;3)

A pessoa que não odeia e, tampouco, anseia pelas coisas; deve ser reconhecida como um renunciante. Ó Arjuna! Quando uma pessoa está livre de seus gostos e aversões, ela se liberta, sem esforço, de qualquer dependência.

Jitātmanaḥ praśāntasya paramātmā samāhitaḥ

Śītoṣṇasukhaduḥkheṣu tathā mānāpamānayoḥ (BG 6; 7)

Para aquele que tem o comando sobre o corpo, a mente e os sentidos. Para aquele que tem a mente tranquila diante do calor e do frio, do prazer e da dor e, do elogio e da crítica; a mente está sempre equilibrada.