Uma vez ouvi Swami Dayananda dizendo para fugirmos daqueles que nos apresentam o Yoga ou outras filosofias como formas de controlar corpo e mente. Até então, nunca tinha pensado desta maneira.

Mas isso faz total sentido. Já pensou se alguém tivesse este poder de me controlar? De me manipular? Se Yoga é uma ferramenta para a liberdade, não vejo o sentido de me controlar. Posso ver o Yoga como uma disciplina. Aliás esta também é uma das traduções para esta palavra. Disciplinar o corpo e mente através de uma prática, parece mais interessante.

Esta disciplina começa com tapas, que é o esforço que precisamos empregar para começar. Separar um momento do dia para a prática, e muito mais do que isso, querer realizá-la. Este esforço é aplicado somente no início, quando precisamos de um ‘incentivo’ extra para que a prática se torne cotidiana. Mas este esforço, por si só, também não nos levará tão longe. Este esforço, aos poucos, pode gerar certa tensão, rigidez, resistência.

Disciplinar corpo e mente é como educar uma pequena criança. Você dá o exemplo a ela: ‘Não pegue este copo de vidro!’ Ela não entende porque não pode pegar o copo, e se você tirar os olhos dela, assim que puder, ela voltará a pegá-lo.

Se este copo cair e se quebrar, você dará uma bronca na criança. Mas não é pela bronca que ela vai compreender. É pelo fato de ter quebrado algo. Ela entende que não é legal quebrar as coisas. Ela compreende o valor do objeto e da sua ação.

Então o esforço para manter a criança longe do copo não é mais necessário. Isso é o desapego (vairagya). Uma conseqüência de toda a disciplina (Yoga) repetida durante certo tempo (abhyasa).

Os obstáculos

1 ? O corpo

O ásana, o assento. Assentar-me em meu próprio corpo. Suportá-lo simplesmente por cinco minutinhos sem aquela coceira de agitação, sem abrir os olhos e olhar para o relógio que está contando o meu tempo ali, ou sem sentir o meu joelho reclamando, a perna formigando.

Por isso, primeiro vem a disciplina do corpo. Sthirasukham asanam (Yoga Sutra, II:46). Patañjali define a postura como “estável e confortável”. Os textos mais antigos de Yoga mostram que os sábios tratavam seus corpos como lugares onde tudo de ruim se acumulava. Dores, doenças e a própria morte.

Somente mais tarde, estes foram perceber que este corpo também serviria para muitas coisas boas, como para o conhecimento da sua própria natureza. E então começaram a tratá-lo de maneira diferente. Na Hatha Yoga Pradipika, fala-se sobre o “corpo de diamante” (vajradeha). Um corpo forte, puro, lapidado. Então, a prática dos ásanas serviria para isso.

Para que eu me estabeleça, me assente em mim mesmo. E, nesse momento, possa aguçar o meu senso de observação a estratos mais sutis, como os meus próprios pensamentos.

2 ? A mente

Uma vez, ouvi de um professor: ‘A mente se chama mente porque ela mente’. Mas, por que dizer isso? A nossa mente se abastece de estímulos, ou experiências que temos ao longo da vida. Estas experiências são armazenadas em nosso corpo e nossa memória, e volta e meia, estas vêm à tona.

O problema é que nossos instrumentos para captar estes estímulos não são tão precisos, e às vezes nos enganam. Visão, audição, tato e etc. estão sujeitos às interpretações da mente de cada um. Aquilo que eu vejo, pode não ser o mesmo que você vê. A mesma comida pode estar muito apimentada para mim e muito saborosa para você.

As experiências se tornam fatos relativos, não têm um valor absoluto. E o que acontece é que acabamos nos identificando intensamente com estas experiências, memórias e pensamentos. Criamos condicionamentos. Evitamos experiências que não foram agradáveis e tentamos repetir aquelas que nos deram prazer.

Quando nos identificamos com os pensamentos, acabamos por achar que somos estes pensamentos. Se pensamos algo ruim, logo nos sentimos culpados. Mas não há como controlar ou comandar um certo tipo de pensamento. Ele simplesmente surge.

E novamente a questão não é se controlar, mas visualizar estes pensamentos simplesmente sendo o que eles são. Idéias, memórias, projeções. A partir do momento em que realizamos isto, nos aproximamos um pouco mais daquilo que Patanjali expõe no segundo sutra de seu tratado. A definição do Yoga em si: Yogashchittavrittinirodhah. Traduzindo, “Yoga é a cessação da identificação com as modificações da consciência”.

A atitude de Yoga, o estado de Yoga surge quando conseguimos cessar o princípio reativo da mente. Este condicionamento de reação e identificação automática com os impulsos e estímulos. A identificação com os pensamentos cessa. Eles continuam a acontecer, mas a mente não reage mais automaticamente.

O uso correto do controle

Segundo a professora de Vedanta e sânscrito, Paula Ornelas, ‘se quisermos seguir uma vida dhármica temos que conhecer nossa mente para que as ações, aos poucos, deixem de ser impulsivas e passem a ser deliberadas. Essa é uma grande qualificação da mente que deveria ser almejada por todo yogí. Uma mente qualificada terá a capacidade de controlar tanto suas ações externas quanto suas emoções.

Essas duas qualidades são citadas tanto em textos de Vedanta quando em textos de Yoga. A capacidade de controlar as ações em um nível físico é dama. E a capacidade de controle dos pensamentos e emoções, ou seja, a nível mental, é shama. Mente e corpo não são separados, um está constantemente influenciando o outro.

O desejo começa ao vermos um objeto. Se nesse momento percebemos aquele primeiro pensamento do tipo ‘seria bom se eu…’ podemos conscientemente afastar o segundo, o terceiro e o quarto pensamentos que iriam reforçar o primeiro e finalmente levaria o desejo a se instalar por completo em nossas mentes. Uma vez instalado o desejo, só há uma opção, controlar nossos órgãos de ação, essa qualificação é dama. Nesse caso a manifestação no nível físico é controlado. Podemos até chegar a ficarmos ‘vermelhos de raiva’, mas seguramos a vontade de agredir alguém.

Podemos nos ajudar a ter uma disciplina da mente através do disciplinar do corpo e também podemos ajudar a disciplinar o corpo através do disciplinar da mente. A estreita interação do corpo com a mente possibilita isso. É aí que ásanas, pranayamas e outras práticas, físicas ou não, do Yoga nos ajudam a ter clareza de mente para escolher a ação correta e colocá-la em prática.’

Então por que praticar Yoga?

Segundo o amigo e professor Pedro Kupfer, em sua última matéria na revista Prana Yoga Journal: ‘Pode-se praticar yoga por muitos motivos diferentes: para recuperar ou manter a saúde, para ficar em boa forma, para amenizar o estresse e aprender a relaxar ou para ter mais foco no cotidiano. Todas estas razões são muito nobres. No entanto, por mais saudáveis, equilibrados e concentrados que estejamos, isso não basta para sermos felizes. O Yoga é mais ainda.

“O Yoga é um caminho para a liberdade e a iluminação. Desde a mais profunda noite das idades, os yogis reconheceram que, para viver uma vida significativa e livre, é preciso lidar de uma forma diferente com os tão esperados momentos de prazer, bem como os inevitáveis momentos de dor.

“Nesse sentido, o Yoga é uma maneira de ver a nós mesmos e de viver a vida, que nos revela a fonte de plenitude e felicidade que está além do prazer e da dor. Essa fonte é aquilo que você é, seu próprio Ser. Porém esse Ser precisa ser percebido de maneira adequada, por meio de um processo chamado autoconhecimento.’

Segundo minha amiga e professora, Manuela Mendonça, em seu texto, Trabalho Corporal dos Bons e o Sentido da vida, que está no seu blog yogapadah.blogspot.com:

‘O Yoga, antes de ser Hatha, já existia plenamente em seu significado original como o conhecimento que revela a união ou que leva à união ou que desfaz a dualidade que faz com que eu me veja completamente separado de tudo e de todos.’

Segundo o Professor Hermógenes:

‘Yoga é o caminho e o caminhar que conduzem a Deus. Você, ainda estranhando, poderia perguntar: Como pode uma ginástica fazer tanto? Yoga não é ginástica. Nenhuma ginástica, só, é Yoga. Há uma ginástica muito inteligente chamada Hatha Yoga que ajuda o caminhante, dando-lhe adequadas condições físicas e mentais para que vença as obstruções e as fadigas do caminhar. Mas é apenas um aspecto particular de todo um sistema que, alquimicamente, leva a alma a Deus. É natural que você ainda tenha uma indagação a fazer: Yoga é religião?

“É re-ligação, sim. Re-ligação da alma individual com a Alma Universal, do homem finito com o Infinito, do homem imperfeito com a Perfeição, do faminto com o Pão, do sedento com a Água Viva, do alienado com o Reino… Yoga é aproximação do que está longe. Junção do fragmento disperso. Reintegração do que se vê desintegrado. Por isso, é redenção. Yoga é a vitória sobre as trevas? Iluminação. Yoga é o rompimento de grilhões de condicionamentos e dependências? Libertação. É o reencontro com o Ser-Verdade. É deslumbramento e o alcance da Consciência Total. É fruição da Bem-Aventurança. É divinização.’

Coloco esta passagem do professor Hermógenes, pois outro dia, vendo um trecho de um documentário que um amigo está produzindo, ouvi uma frase bem interessante do professor Dharma Mitra.

Perguntaram a ele qual era a intenção de sua prática com ásanas tão difíceis de serem executados. E ele respondeu que todos aqueles ásanas eram maneiras de ele se aproximar de Deus, uma reverência a Deus. Infelizmente a palavra Deus traz um significado muito carregado em nossa cultura. Principalmente em relação aos Dogmas da Igreja Católica.

Onde a palavra controle realmente assumiu uma importância muito grande. Uma maneira de controlar as massas, através de conceitos, como culpa, pecado, paraíso e inferno. Colocando Deus a uma distancia enorme de nós, praticamente como algo inatingível. Criando conceitos de um julgador que está sentado em seu trono divino nos aplicando castigos ou nos dando suas bênçãos. Então se trocamos a palavra Deus, por Ser, Absoluto, Consciência, Essência, já ficamos mais abertos a aceitar este conceito que está alem do relativo, alem da dualidade que é a meta do yoga.

Liberdade, iluminação, se quisermos, também podemos usar. E o que é esta liberdade. Podemos usar também conhecimento. Conhecer a nossa própria natureza, significa sermos livres de qualquer limitação a qual nos prendemos, por exemplo o corpo e a mente. Liberdade destes dogmas, destes simples nomes e imagens de quais às vezes ficamos com medo.

E então cantaríamos os mantras sem ficar pensando se este mantra e para este Deus ou para aquele outro. Que diferença faz? Não existe um, dois ou três milhões de Deuses. Só existe Deus (tudo bem, você pode usar a palavra que você quiser). Mas só existe um e este um somos todos nós.

Segundo o cantor Krishna Das em seu último show aqui no Rio, você canta liberando este amor incondicional que existe dentro de você. Ou seja, você está cantando para você mesmo.

O Objetivo ? Sadhya

Toda a prática tem seu objetivo. Toda ação visa um resultado. E praticar yoga, portanto, não é algo que se realiza sem um objetivo. Este objetivo chama-se sadhya. Aquilo que desejamos alcançar com todo este esforço. Os objetivos dependerão de suas necessidades pessoais.

Talvez naquele momento o seu objetivo seja somente amenizar aquela dor nas suas costas. Talvez seja ficar mais sarado e flexível. Alinhar-se, melhorar a postura, ou simplesmente cantar Shanti, Shanti e depois sair por aì tirando onda de personagem Zen. Mas parar no primeiro sinal de transito e sair buzinando e xingando porque vai chegar atrasado para a novela das oito.

Realmente você praticou ou está praticando Yoga? Este era o seu objetivo? Uma hora e meia de silencio e um pouco de suor e chega? Não existe Yoga fora de uma salinha e que não seja realizada sobre um tapetinho de borracha?

Fico com a resposta da professora Maria Celeste Castilho:

‘Todas as posturas são ótimas e precisamos saber distribuí-las, em uma prática, de forma que não fique nenhuma parte do corpo sem ser trabalhada. Mas o mais importante é manter a atenção naquilo que estamos fazendo.’

Fazendo não só no tapetinho, mas fora dele, principalmente!

Infelizmente os objetivos tornaram-se banais. Mas seguimos firmes na prática. Talvez em algum momento me dê um estalo, me venha a ‘luz’, e aí eu me pergunto: Por que eu faço trikonásana, pahshcimottanásana, shirshásana? Aonde tudo isso vai me levar?

Tudo bem, meu corpo já está saradão, tenho flexibilidade me alinho como se tivesse sido construído por calculadoras de precisão, faço 108 saudações ao Sol… mas e daí? De que tudo isso me serve? Vamos pensando, pois o Yoga continua!