Muitos rituais prescritos no Veda são como um trato com o divino. Eu faço umas coisas aqui, e Īśvara, me dá aquilo que eu quero. Isto não pode ser chamado de devoção; no máximo, uma troca.
Muitas das vezes, estes rituais são impulsionados pelo ego. Pois, existe, ali, um desejo, que é oriundo do ego. As pessoas que executam rituais com essa mentalidade são chamadas de kāmya-karmīs.
Afinal de contas, quem desfruta do resultado do ritual? Apenas o ego. E podemos, também, substituir esta palavra ritual, pois muitas vezes ela carrega um conceito de religião, pela palavra ação.
Na māṃ karmāṇi limpanti na me karmaphale spṛhā
Iti māṃ yo’bhijānāti karmabhirna sa badhyate (BG 4;14)
As ações não me afetam. Para mim, não há exigência quanto ao resultado da ação. Aquele que me conhece, claramente, dessa forma; também não é afetado pela ação.
Quando Krsna está falando que não é afetado pela ação, está querendo dizer que ela não cria um sentimento de alegria ou sofrimento que traga esta impressão, que normalmente, nos traz de identificação à essa resposta emocional. Nem mesmo essa ideia de pūnyam ou pāpam, no sentido de resultado da ação.
O que Krsna deixa bem claro, aqui, é que o ātmā; que é Īśvara, não é um ator, mas, a consciência que permite que todas as ações aconteçam.
O entendimento relativo à ação, nos conduzirá, naturalmente, ao entendimento do ātmā e anātmā; do absoluto e do relativo. Na realidade, o entendimento sobre qualquer assunto, nos conduz ao entendimento do ātmā. É o que Swāmi Dayānanda dizia a cada início de curso do qual participei: “Mais um ano e, novamente, o mesmo assunto. O mesmo professor. Os mesmos alunos.”
O tema de vedānta é sempre o mesmo: ātmā jñānam; o conhecimento do Ser. Ele pode ser abordado de diferentes formas, mas o tema será sempre Eu. No fim das contas, tudo aquilo que existe, está sustentado pelo ātmā. Se desconsiderarmos nomes e formas, o que existe sempre é o ātmā.
Kiṃ karma kimakarmeti kavayo’pyatra mohitāḥ
Tatte karma pravakṣyāmi yajjñātvā mokṣyase’śubhāt (BG 4;16)
Até mesmo, grandes estudiosos (do Veda) têm dúvida sobre o que é agir e, o que é estar livra da ação. Eu devo ensinar sobre a ação, através da qual, você estará livre do samsāra.
Aqui é importante compreender que, ser versado no Veda, ter aprendido a recitá-lo de frente para trás e de trás para frente, não te transforma em um sábio. O sábio é aquele que compreende que a sua natureza é o ātmā e, não o indivíduo (o ator). O sábio é este que está livre da impressão de que está preso aos resultados das ações (samsāra).
Para essas pessoas que possuem o entendimento de que não são atores, nenhuma ação é capaz de prendê-las. Muito menos, a ideia de que o resultado das ações, também, as prenderiam, já que pūnyam e pāpam, além de serem meras especulações, não são atribuídos ao ātmā. Pūnyam e pāpam são conceitos existentes, apenas, para aqueles que se confundem ainda a ideia de serem os atores. Se existe o ator, existe também o desfrutador da ação. Esse fruto é pūnyam ou pāpam. Para o sábio, que entende que não é o ator, pūnyam e pāpam não existem.
O sábio compreende que a alegria e o sofrimento existem para o corpo e para a mente; não, para o ātmā. Fazer essa dissociação é necessário nesse processo de autoconhecimento. Isso é viveka; discernimento entre o absoluto e o relativo. “Nityānitya vastu vivekaḥ” (tattvabhoda).
Por isso, mais uma vez, podemos dizer que o samsāra não existe. É apenas uma noção carregada por essa pessoa identificada com a ação e seus resultados; o samsārī. Este, sim, existe.
Aqui, mais uma vez, uma pergunta pode surgir: “Se eu não sou o ator, por que me preocupar com a forma que ajo? Por que não fazer o que me dá na cabeça?” A compreensão de que Eu não sou o ator; não significa ausência de ação. Não existe vida sem ação. Essa é a dúvida de Arjuna, que acreditar que renunciar é não agir. A renúncia é uma ação também. Aqui, no caso, é abrir mão das responsabilidades que ele tem.
Para isso, temos o respaldo da Gītā: “Yogah karmasu kausalam”. Yoga é fazer o melhor que pudermos, sempre. Somos peças significativas dessa inteligência, que é Īśvara. Cada um tem uma responsabilidade. Que possamos cumprir com elas. Que possamos contribuir com as nossas capacidades. Tudo isso é o vyavahara; o relativo. A não ser confundido com brahman; o absoluto. Eu não sou o ator, mas, quando o ator existe, Eu existo; o ātmā.
Tais pessoas, possuem o ego sob seu controle. Isso significa que entendem o papel do ego; não que o ego tenha se dissolvido, como, muitas vezes, observamos em literaturas sobre yoga. O ego é esse quem define a ação. A escolha é feita por ele. A ação vem dele. Eu não sou o ego; mas o ego existe porque Eu sou.
Isso nos remete ao capítulo 13 da Gītā, quando Krsna lista uma série de valores a serem cultivados em uma vida de karma yoga, para antahkaranaśuddhih. Amanitvam, significa essa capacidade de não se colocar como o ator. No sentido da busca pelo reconhecimento (pūnyam) por aquilo que fazemos.
Fazemos o que temos que fazer, porque temos que fazer. Não pelos resultados. Isso é karma yoga.