A vida é como uma montanha-russa; uma sucessão constante de momentos felizes e tristes que experienciamos. Não há maneira de se viver a vida de outra forma.
Por sua vez, estes momentos de felicidade e tristeza são estabelecidos por nossos gostos e aversões ao longo da vida.
Naturalmente vamos na direção das experiências agradáveis. Pois, é legitimo para qualquer ser humano, a busca da felicidade.
Na linguagem dos Vedas, esta felicidade está na forma de três objetivos fundamentais (puruṣārthas): artha (segurança), kāma (prazer) e dharma (reconhecimento).
Basicamente, podemos passar uma vida inteira buscando por estas coisas. Como foi dito antes, é legítimo. Enquanto aquilo que buscamos nos preenche momentaneamente nos atende, não enxergamos nenhum problema.
Isto é chamado Saṁsāra; que é definido em sânscrito da seguite forma: samsarati iti saṁsārah. Ou seja, saṁsāra é aquilo que flui muito bem.
De fato, um problema se apresenta somente quando um destes puruṣārthas não é mais capaz de nos atender. E se olharmos objetivamente, vamos notar que o que acontece, de verdade, é isto. Estamos correndo sempre atrás de nossos rabos: preenchendo o vazio deixado por um desejo anterior, que foi realizado, por um novo, que desejo agora.
Num destes momentos, geralmente, relacionados à tristeza, se estabelece um questionamento fundamental sobre quem somos e como podemos preencher esta sensação constante de insatisfação.
É neste ponto que brilha o quarto puruṣārtha: mokṣa, a liberdade da sensação de que estou condicionado à alguma situação para ser feliz.
O estudo do Yoga se inicia quando este questionamento se estabelece. E quando este se estabelece, o praticante é, de fato, um mumukṣu, ou alguém que tem o desejo pela liberdade (de todos os condicionamentos), mumukṣutvam.
Esta condição está exposta em alguns textos através da palavra atha. Como no primeiro sūtra de Patañjali ou no primeiro mantra da kaivalya upaniṣad.
A palavra atha, geralmente é traduzida como “agora”, mas no contexto destas escrituras, elas devem ser compreendidas como “então”, indicando algo que aconteceu antes, e que será resolvido agora.
Este “então” não indica uma mera ação que será realizada após uma outra. Do tipo: me levanto e agora me sento e novamente me levanto. Há algo bastante importante que se estabelece para que o estudo do Yoga torne-se possível e significante. Atha significa sādhana catuṣṭaya sampatti-anantaram, ou seja, “então, conquistando estas quatro qualificações, por completo”, me torno um adhikari; alguém maduro para receber o ensinamento.
Mumukṣus, ou, desejosos pelo o autoconhecimento, devem possuir estas quatro qualificações. Elas são: viveka, o discernimento entre aquilo que é perene e aquilo que é efêmero. Vairagya, o desapego. Ṣatsampatti, as seis qualidade de quietude, comando sobre os sentidos, o desapego ao resultado das próprias ações, perseverança, confiança e estabilidade da mente. E, obviamente, mumukṣutvam, o desejo por liberdade. Muitas destas qualidades são conquistadas ao longo do estudo, num processo de amadurecimento. Mas o simples fato de se aproximar de um professor, por conta própria, com este desejo por se conhecer melhor, já o qualifica como um mumukṣu.
Atha yogānuśāsanam ||1||
Portanto, tendo compreendido, todo exposto acima, vamos por em prática:
Falamos sobre o fato de buscarmos o Yoga por conta própria. Falamos sobre a busca do Yoga, como uma ferramenta para responder a este vazio existencial. E, portanto, temos que fazer uma importante observação sobre aquilo que encontraremos numa prática de Yoga.
A prática de Yoga, como o próprio nome diz, trata de questões práticas, que no nosso caso, é tudo aquilo que está relacionado ao corpo e mente. Portanto a sensação gostosa que qualquer praticante de Yoga experimenta ao fim de uma prática, não é um fim nela mesma. Apenas uma sensação que se experimenta e que logo dará lugar a uma nova experiência/sensação/sentimento relacionada à uma nova experiência pós-prática.
O que um yogi sincero busca, não é uma sensação, pois sabe que a sensação é uma reação à uma experiência; e uma experiência tem fim.
Um yogi busca aquilo que definitivamente traga fim a seu sofrimento. E isto, segundo os Vedas, que são a base da Tradição yoguica, não é fruto de uma ação/ experiência. Portanto, como praticante de Yoga, devo entender que as ações não têm a capacidade real de me livrar deste desconforto incessante oriundo da sensação de insatisfação.
Como cita a Rama Gītā: “Portanto, que aqueles de coração puro aprendam a abandonar a ânsia pelo fruto de todos os karmas. Sendo as ações contrárias ao Conhecimento, sua combinação com ele não é possível. Apaziguando a atividade dos sentidos e da mente, o yogi deve se engajar na contemplação do Ser.”
Uma prática é essencial para ajudar nesta investigação sobre mim mesmo. A partir de um processo de desconstrução (neti neti) de uma aparente identidade contruida ao longo de uma vida.
Através deste exercício, conseguimos enxergar determinadas qualidades as quais nos atribuímos e nos identificamos. Sejam relacionadas ao corpo-mente, objetos externos, papéis sociais ou até mesmo situações e condições do dia a dia.
Quando compreendemos que tudo isto não representa aquilo que sou essencialmente, consigo me soltar de todas elas.
Isto é o que Patañjali quer dizer ao definir a palavra Yoga:
yogaścittavṛttinirodhaḥ || 2 ||
“Yoga é a cessação [da identificação] com os cittavṛttis”.
Aqui Patañjali define o que é esta disciplina chamada Yoga. Normalmente este sūtra é traduzido como o “controle da mente”, mas novamente temos que atentar para o que é este controle. Na palavra nirodhah, está o radical rudh. Rudh significa controlar sem esforço. Controlar naturalmente. Usando o esforço quando necessário. Mas mesmo entendendo este radical, a compreensão deste sūtra fica um pouco superficial.
Estes cittavrttis, que são os objetos na forma de pensamentos e emoções com os quais nos identificamos constantemente.
Na Bhagavad Gītā, Kṛṣṇa define o Yoga da seguinte forma:
Tam vidyādduhkhasaṁyogaviyogaṁ yogasañjñitam sa niscayena yoktavyo yogonirvinnacetasā. (Cap 6, 23)
“Que seja sabido que esta dissociação da associação com a dor é chamada Yoga. Yoga deve ser seguido com determinação e sem uma mente que tenha indiferença.” O sofrimento é fruto de nossa identificação com os vrttis (julgamentos, pensamentos, projeções…). Quando me identifico com um destes objetos, automaticamente me vejo limitado à forma e atributo que vem junto deste. Existem dois tipos de objetos criados pela mente, citados no décimo capítulo da Pancadaśi:
Antarmukhahamityesa vrttiḥ kartaramullikhet Bahirmukhedamityeṣa bahyam vastvidamullikhet (6)
“O pensamento interno da mente (na forma de) “eu” faz aparecer o agente da ação. O (pensamento) externo (na forma de) “isto” faz aparecer o objeto externo.”
Enquanto estou identificado com estes objetos, não enxergo aquilo que é a base destes mesmos objetos, que sou eu. Então para realizar a minha natureza, é necessário ir além das identificações com os objetos. Por isso este controle da mente não significa pensar de uma forma definida, ou parar de pensar. Mas não se associar aos pensamentos ou sentimentos. Não assumir as formas deles. Esta é a disciplina!
A questão fundamental para o autoconhecimento é dissolver as identificações com todos os objetos com os quais nos relacionamos. Este é um exercicio bastante difícil de ser realizado, pois temos na mente, uma idéia que se os pensamentos desaperecessem, tudo desapareceria junto.
Porém, isto não é um fato. Já que toda vez que dormimos e não estamos sonhando, todos os objetos desaparecem da nossa percepção; inclusive pensamentos e emoções. Mas, nós, não deixamos de existir nesta ausencia da percepção dos objetos. Pelo contrário, ao despertarmos, temos o registro, na mente, desta ausência.
Concluindo este raciocínio, Patañjali diz que ao eliminarmos todas estas identificações, chegamos à conclusão de que o Eu, permanence.
Este entendimento em relação a tudo aquilo com o que antes me identificava, é o primeiro passo, neste amadurecimento da mente para uma nova relação com o mundo e comigo mesmo.
Através desta lógica, contida nas escrituras, é obvio que não podemos pensar que uma simples prática de āsanas, prāṇāyāmas, ou até mesmo de meditação, possam resolver este problema fundamental, que é a ignorância em relação à minha própria natureza. Porque esta natureza é revelada pelo conhecimento, e não pela ação.
É uma ideia fantasiosa pensar que uma refeição irá saciar definitivamente a fome. Da mesma forma, pensar que um copo d’água saciará a sede definitivamente.
Assim sendo (da mesma maneira), é fantasioso pensar que conquistar uma determinada forma do corpo ou pela ação do corpo trará uma satisfação definitiva em sua relação com ele.
Toda a ação já traz um problema em si: a sua limitação no tempo-espaço. O resultado de uma ação dura apenas por um período de tempo e em algum lugar no espaço. Portanto o corpo não pode receber a responsabilidade de te dar esta satisfação definitiva, já que ele é, naturalmente limitado.
O que deve ser levado em conta é um conjunto de práticas que nos amadurece, junto com um constante estudo que conduz ao conhecimento de si mesmo.
Artigo de Bruno Jones